De socas nos pés

Dos Países Baixos para o mundo...

A crónica do bom gosto!




Decidi, para bem de quem lê este blogue, ilustrar este artigo de Eduardo Prado Coelho. Para bem do bom gosto (Hanna Verboom, apresentadora, modelo e actriz holandesa)

Um esteta, podemos dizer.
O Umbigo dos Sonhos
Por EDUARDO PRADO COELHO
Quarta-feira, 08 de Dezembro de 2004

Comecei por ver esta moda no Brasil, mas depois ela invadiu Portugal: as calças femininas descem vertiginosamente abaixo da cintura, deixando por vezes entrever uma peça mais íntima de roupa. Se se trata de figuras de grande elegância, o efeito de beleza é incontestável. Nos casos mais prudentes, há uma zona do corpo que ora aparece coberta, ora se descobre ousadamente. Estamos naquilo que Barthes designava como marca do erotismo, que é uma "encenação do aparecer/desaparecer". Os efeitos são positivos. Embora contrariados pelo uso destas calças em raparigas mais arredondadas, em que a barriga transborda do vestuário numa obesidade desagradável.

De qualquer modo, e dada a tendência para a homogeneidade das modas, o uso disseminou-se e hoje basta passear pelas nossas escolas para ver como os umbigos proliferam. O que me levou a concluir que nunca tive turmas com umbigos tão evidentes. Lembro-me de, em 1972, uma aluna de Linguística que de Linguística nada sabia ter ido à prova oral com uma camisola que deixava ver o umbigo e como isso aparecia como o máximo da transgressão. Hoje, transgressão é ocultá-lo. E mais. Pensei que os rigores do Inverno fizessem restringir o uso de tais peças de vestuário. Enganei-me. O umbigo venceu o Inverno. Sei agora que persistiria mesmo no Inverno siberiano. É uma pulsão irrecusável. É um traço de época.

Fazendo um inventário sumário (porque, no amplo capítulo dos umbigos, quem poderia descrevê-los todos?), poderei dizer que há o umbigo simples, sem outros atavios, convicto de que por si só suscitará os olhares. É claro que depende da beleza da personagem. Mas há neste umbigo uma segurança, uma serenidade, uma calma, um entregar-se à doçura da luz, um expor-se sem restrições, que merecem o nosso apreço. É um umbigo sem problemas nem contradições, que escapou da neurose, que evita a psicose, que não tem quaisquer marcas maníaco-depressivas.

O segundo tipo de umbigo é o que se redobra num discreto "piercing". Aqui, o corpo entrega-se aos sinais, começa a escrever-se a si próprio. O "piercing" é o começo de um processo de artificialização. O corpo entra num devir-arte: o "piercing" mostra que houve um trabalho sobre o corpo, o que significa uma atenção especial: o corpo não é um mero estar-ali, mas está ali para nós.

Uma variação do "piercing" é a tatuagem. Estas correspondem a uma panóplia de motivos. Flores carnívoras, animais pré-históricos, veleiros, nomes de amantes (excluem-se as máquinas de guerra dos antigos combatentes), tudo serve para criar o que outrora era um motivo de atracção e hoje é uma banalidade, que só ganha algum relevo por ser contígua ou envolvente do umbigo.

Por fim, o Brasil deu agora uma contribuição para uma encenação multimédia do umbigo. Trata-se de um "piercing" associado a um badalo que ecoa à medida que a frágil cintura se agita no espaço. Há uma mistura de sedução sonora com um humor implícito. Imaginamos como o som se poderá interpor numa situação de abraço. Ou imaginamos ainda mais. Com dizia Freud, o umbigo é o lugar onde deixamos de ver para passarmos para o reverso da visão: inscrição corporal do inconsciente, ali onde a noite é cada vez mais noite e o dia cada vez menos dia.

Professor universitário
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