De socas nos pés

Dos Países Baixos para o mundo...

Eleições por outro prisma

Chamo a atenção para este texto, que acho muito interessante:

REDACÇÃO QUANDO EU FOR GRANDE

Quando eu for grande quero ser Presidente da República. A minha Mãe diz que não pode ser, porque eu sou negra. Descobri na escola, no outro dia, porque um miúdo me chamou “preta estúpida” e eu perguntei a minha Mãe. Ela diz que as pessoas de cá nos chamam pretas porque pensam que são brancas, mas a mim parecem-me mais cor de rosa, não sei. Mas também não sei porque é que as pessoas da minha cor não podem ser Presidentes. As pessoas que aparecem na televisão algumas parecem-me assim escurinhas como eu. E se aparecem na televisão é porque são importantes. Será que nem todas as cores se vêem da mesma maneira? Além disso, eu perguntei a minha Avó e ela disse-me que na nossa terra havia uma Rainha muito poderosa chamada Ginga, que era da minha cor. E que na Bíblia há uma rainha que diz “Sou negra e sou rainha”.

Então por que não hei-de eu poder ser Presidente, que é uma coisa parecida? Eu acho que deve ser, porque a minha Mãe diz que as mulheres dos Presidentes são como as mulheres dos reis, mas eu também não percebo muito bem porque é que é assim. A minha Mãe diz também que eu não posso ser Presidente porque sou mulher, mas eu pensava que era menina. Não sei bem se é a mesma coisa, porque às vezes uns homens na rua chamam-me coisas esquisitas e eu não percebo bem, mas a minha Avó disse-me que era por eu ser rapariga, o que eu acho que é a mesma coisa que menina. A minha Mãe diz que os Presidentes têm de ser homens, mas eu também não percebo. Então no outro dia no jornal não vinha uma senhora muito bonita a dizer que era Presidente de uma coisa importante das crianças?

Será que as mulheres só podem ser coisas importantes das crianças? Mas então e as mulheres negras, como dizem que eu sou? Será que só podem ser coisas importantes das crianças negras? A minha Avó diz que o problema são os velhos como ela. Mas eu pensei que ela era uma velha e não um velho, já não percebo nada. A professora está sempre a ralhar quando nos enganamos nas palavras e afinal as pessoas grandes também se enganam. Eu acho que agora os velhos e as velhas já devem estar melhor, porque um senhor que é Presidente lhes foi levar acho que chá e bolos a umas casas onde eles pareciam tristes mas acho que ficaram contentes de o ver, deve ter sido por causa do chá e dos bolos. A minha Avó diz que não consegue atravessar a Avenida da República porque os sinais estão feitos para as pessoas mais novas. Haverá sinais especiais para as pessoas mais velhas? E diz que no Centro de Saúde uma pessoa lhe chamou “velha preta” e que gritou com ela porque ela não percebia como se tirava uma ficha de uma máquina. Ela chegou a casa a chorar, mas depois disse que a pessoa que lhe chamou assim estava muita cansada e triste porque quem mandava nela também a tratava mal. Mas que era branca e não era velha.

Será que há pessoas mais brancas que as outras? E velhos mais velhos que outros? E será
que os que são novos e brancos às vezes também estão tristes? A minha Avó diz que sim, porque a nossa vizinha é nova e acho que é branca mas toda a gente diz que não faz nada porque recebe qualquer coisa garantida que eu não sei bem o que é. Mas ela trabalha todo o dia, que eu bem a vejo a correr atrás daqueles filhos todos. Até ouvi dizer no outro dia um senhor muito bem vestido que aqui no bairro as mulheres parecem coelhos, não sei se eram as brancas ou as pretas. Mas eu parece-me que era por causa dos filhos, a minha Avó explicou-me. Mas eu também não percebo, porque no outro dia estava uma senhora na televisão a dizer que as mulheres agora têm poucos filhos e que qualquer dia o país acaba-se. Esta coisa de um país se acabar parece-me muito esquisito, mas então porque não aproveitam estes filhos? Será que há uns filhos que são mais filhos do que outros? Será que estes não se podem aproveitar? Quando eu for grande quero ser Presidente da República. E também quero ter muitos filhos. Quero que sejam de muitas cores. Assim talvez consiga explicar aos miúdos da minha escola que sou Portuguesa (pois se eu nasci cá, o que é que eu havia de ser?) e que África não é um país, como eles pensam, mas muitos países. Com pessoas de muitas cores. Tal como Portugal. E os meus filhos hão-de ajudar a que o nosso país não se acabe. Eu não quero que Portugal se acabe. Um país acabado deve ser uma coisa muito triste.

TERESA PIZARRO BELEZA
Professora da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa

In Público 20-01-2006
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quarta-feira, 25 janeiro, 2006

"Quando eu for grande quero (...)ter muitos filhos. Quero que sejam de muitas cores."
Acho isto indecente. Talvez devessem explicar à menina como a nossa sociedade hipócrita funciona.
Podes-se sonhar ser presidente, mas apenas um pode o ser. Nascemos todos com os mesmos direitos, mas apenas uns podem os exercer...
E já agora ensinem lhe o que é isso de vivermos numa cultura monogâmica...    

Posted by Anonymous Anónimo

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