Os fadistas holandeses
quarta-feira, setembro 29, 2004Estou a viver num país do Norte da Europa. Na Holanda. E sempre esperei encontrar um povo frio, distante, desconfiado e muito cioso em guardar os seus sentimentos, tão típico da ideia que os povos dos Sul têm destas gentes do Norte – mas não lhes chamem nórdicos que eles não gostam. “Isso são os suecos e os noruegueses”, dizem logo.Agora imaginem que em Portugal, morre alguém famoso, um cantor (tal como aconteceu com Amália).
Agora imaginem o Estádio da Luz cheio de gente, caixão do morto presente, amigos, família e colegas de profissão prestam-lhe a última homenagem, numa espécie de catarse em grupo. Muito choro, alguns sorrisos, a família a sofrer em público. Imaginem se era possível em Portugal. Talvez não, ou talvez apenas se fosse a TVI a organizar e obtivesse algum lucro comercial . Mas neste caso foram os amigos mais próximos a organizarem tudo. E agora imaginem que nessa cerimónia estavam presentes alguns das figuras mais importantes do país, de Eusébio ao presidente da câmara de Lisboa, do presidente do SLB ao cantor que toda a vida foi rival do morto. Imagem também que nos bares e na maioria das casas essa cerimónia é seguida quase religiosamente. Com mais gente a chorar, a cantar as músicas do artista desaparecido, e a falarem da saudade que vão ter da figura.Mesmo assim, continua a ser impossível imaginar que isso acontecesse em Portugal. Não acham? Nos jornais e nas conversas do dia seguinte diríamos que somos fatalistas, saudosos, sentimentalistas, e exagerados, como não há no mundo inteiro.
Pois pasmem-se, isso aconteceu nestes dias na Holanda. Um dos cantores mais famosos do país, André Hazes, nascido e criado em Amesterdão, morreu com uma paragem cardíaca com 53 anos. Hazes era um misto de cantor pimba e fadista. E tinha um misto de reconhecimento nacional como tinha Amália, mas o seu reportório era mais parecido com as músicas de Marco Paulo. Hazes começou como “dj” e empregado de balcão em alguns bares da capital Holandesa e, a sua carreira, com mais de 15 anos, das de maior sucesso na Holanda contemporânea.Quem via as suas entrevistas notava o grande amor que tinha pela carreira, e ficava também a conhecer o seu lado familiar, a mulher e os filhos, e mesmo os amigos mais próximos.Depois da trágica notícia, e para meu espanto, dois dias após a sua morte, teve lugar uma cerimónia na Arena de Amesterdão, estádio do Ajax, (a catedral da Holanda) cheio de amigos, cantores, políticos, futebolistas famosos, como Johan Creuyf.Nos bares e nos lares holandeses seguiu-se a cerimónia transmitida pelo segundo canal da televisão nacional. Muita emoção e choro, e com as vozes sentidas a cantarem as músicas do cantor.
E eu, latino e sentimentalista, como se diz serem todos os portugueses, fiquei surpreendido. Em Portugal temos a mania, bem no íntimo, que somos diferentes para pior que os mais avançados da Europa. Depois de ter visto esta cena, poderia ter ficado a pensar que os holandeses são uns “fadistas”, mas não. São estes exemplos vindos de fora, de um povo muito diferente do nosso, que nos faz pensar como às vezes gostamos de nos criticar sem fundamento. Somos assim tão sentimentalistas e temos o “fado” como “destino”? Ou se calhar somos um povo tão normal como todos os outros, mas com características diferentes?